quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Imagem de origem desconhecida



Silêncio


Se sentires uma leve brisa
Transformar-se em um vento avassalador
A ponto de quebrar tuas vidraças
Absorva-o!
Sou eu suprimindo teus sentidos...






sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tempo

Ana Carolina

Chuva fina batendo na vidraça, o cheiro de laranja no fundo do quintal, os passos dela na varanda junto aos meus suspiros afastando as cortinas. Ela combina a blusa com o sapato, a bolsa com a flor no cabelo, a boca com o meu paladar, saboroso como o chuvisco que falo.

Em dois minutos ela entrará pela porta.
- Não encontro minha pulseira dourada.

- Está no banheiro.

- Já procurei e não encontro.

- Está no banheiro, tenho certeza.

Eu, sentada na escrivaninha, não desvio os olhos do jornal e o café já frio.

- Não vais levar um casaco?

- A chuva já está parando.

- Mas o frio não.

A pulseira está ao lado do perfume no banheiro, como eu havia dito. Ela não levou o casaco e a chuva permanece. Deixou a sombra de seu despeito no parapeito da minha incerteza. Pensa que eu gostaria é de prendê-la em meus braços e nunca deixa-la ir. Pensa certo. Invariavelmente e para minha solidão, ela parte.
Espalho meus olhos pelo vão que deixou na porta enquanto o dia termina. O sol invadindo a persiana, sinto o toque delicado dos seus pés frios nos meus.
- Te amo. – ela me sussurra.

Adormeço.









domingo, 14 de novembro de 2010

Doce

Joan Miró



É simples, suave, doce...
É pleno
É como um míssil de saudade
Um alimento pra alma
É poesia que não se escreve
É inspiração
É um grito, um suspiro
É uma dorzinha escondida no peito
É a felicidade mais contida
É do torpe o florescer
É um florescer completamente único
Eternamente simples e suave
Eternamente doce...


                                                                                                                                       


sábado, 6 de novembro de 2010

Violeta


Francisco Goya


Eu quero me submeter a extremos violeta
Deixar de tocar o solo 
Sem dispor de uma só pausa dedilhada 
Quero conter-me nos silencios intermináveis e entreabertos


Voltar a superfície com os olhos vivos de sopro
Arranhar os labirintos mortos de saudade
Eu quero que toda letra
Se dissolva em melodia.





segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Instante

Ana Carolina


Da altura e tom de voz faz-se a elegância
O porte irreverente com um simples sorriso

A brisa suave que acarinha o rosto  
É o suficiente para adornar tua beleza

Se relevantes fossem as maçãs do rosto avermelhadas
E os olhos cor de água mansa acarinhada por segredos

Ressaltaria o brio confuso de doçura sobre-humana
E tão macias são tuas expressões

Deixaria que as pétalas debruçassem-se sobre o solo
Naturalmente, como teus dias de cores vibrantes.


Para Márcia Stumpf





terça-feira, 26 de outubro de 2010

Noites Eternas

Eugène-Joseph Verboeckhoven


Estás nos limites que serram meus lábios

Em delírio das neblinas, das certezas, dos incrédulos
Na brisa que corre em face trêmula
E nos instantes vagos em que em minhas pupilas passavas

Suprindo o canto das dores ocultas
Na voz silenciosa que reflete em teus passos
Julgo-me eterna em meu próprio domínio
No soar desafinado dessas noites macias

Querendo ser o espanto dos pássaros
E a coragem dessas correntezas
Sopra as arestas que rodeiam o pensamento
E os reclames das horas a fio

Sinta meus seios em tuas mãos
Ouça minhas palavras absolutas
A rima pobre desses versos incertos
E limita-te ao som que emite meu corpo

Máquina

Pablo Picasso


Mordia os lábios de febre ávida
Ávida de tudo que ardia
Ardia como mordida máquina
Máquina de tudo se fazia

Fazia metal em toda língua
A língua de febre estremecia
Tirava o corpo molhado que fervia
Fervia alado todo em nós

Nós atados na boca adormecida
Os gritos apertados, dilatados na garganta
E na garganta todo líquido se fundia

Dilatava o nervo em todo peito
E no peito o coração batia
Mordia os lábios, e a máquina de tudo se fazia

O pesar suave das horas

Monet 



Ele tinha um pequeno barco a motor onde costumava deixar-se levar pelas águas enquanto pescava. Era calmo como o nascer do sol. No começo, passava os dias a deriva, mas retornava à aldeia assim que a noite desse seus primeiros sinais. Vez ou outra viajava por três ou quatro dias.
Tinha uma esposa atenciosa, onde sempre pôde atracar seu cansaço com suavidade. 
Não tiveram filhos. Talvez por medo de não conseguir partir. Sem partida não há regresso. Não há saudade. Não há o sorriso doce da mulher ao ouvir seus passos próximos a porta. Não era belo, ela tampouco, no entanto trazia nos olhos o brilho da satisfação. Ou era o mar refletindo a neles. 

Em uma peça nos fundos do quintal, guardava sua maior riqueza:  livros amarelados pelo tempo. Posicionava-os numa prateleira de madeira escura e pouco delicada. Eram tantos e tão amados! Passava horas naquele cômodo onde pendurava um lampião em um arame preso na madeira bruta, cheia de farpas. Quando saia de viagem escolhia 3 obras com assuntos variados para ler paralelamente. Depois que lia, deixava-os no barco. Na viagem seguinte, traria 3 outros. E assim seguiam os dias.

Ao chegar em casa, num final de tarde deparou-se com a casa silenciosa, as luzes apagadas. Chamou pela esposa mas nada ouviu de  resposta. Encaminhou-se até o quarto e lá estava ela. Os cabelos soltos no travesseiro, a mão esquerda debaixo do rosto. Respirou fundo e pisando leve dirigiu-se a ela tentando não fazer qualquer ruido. Retirou os sapatos e com cuidado deitou-se ao seu lado. Passou a mão no seu rosto, a pele tão macia estava fria. Não respirava nem o coração batia. 

Ajoelhado ao lado da cama e aos prantos cobriu-a.
-Tu vais ficar resfriada - murmurou.

Calçou os sapatos, as lágrimas teimando em rolar, não obedeciam. Juntou todos os livros, colocou-os no barco e nunca mais houve o regresso.