quarta-feira, 2 de maio de 2012

Tato

Silvia Pelissero


Não quero caminhar enquanto posso levitar

Quero rasgar as fechaduras e não abrir as portas

Quero ir até os ossos, sentir o calor do sangue e o tremor da pulsação 

Gostoso é tatear o escuro e ter surpresas com a sensação 

Tirar das vísceras o ardor da dúvida e a falta de discernimento

Vou abri a palma e deixar que voe, que perca o rumo

Com o pesar da palavra

Com o desejo que passeie pelos meus dedos e escorra de volta

Pra dentro da minha blusa. 





  

quinta-feira, 29 de março de 2012

Reflexo

Salvador Dali 


De quem é aquela sombra que percorre a casa procurando segredos dos quais não me lembro?
Ela busca nas minhas ausências a transparência perversa que nem mesmo sei o nome
Tira conclusões abstratas das minhas ideias inacabadas, projetos abandonados, felicidades incompletas
Passeia pelas minhas gavetas vasculhando meus rascunhos e chega antes de mim aos defeitos
De quem é essa imagem que me atormenta a noite com a luz acesa ou apagada?
Invade os lugares secretos do meu desassossego e pinta neles uma tela de cores que não decifro em sonho
Falo do mesmo reflexo que me estarrece todas as manhãs...  

sábado, 17 de dezembro de 2011

Suspiro

Rosana Pegas


Ela era como uma caixa vazia e quente
De onde escorriam restos de silêncio e saudade
Segredos de alguém que deixou de existir dentro de si

Alguém que deixou de sustentar a impureza de seus incontáveis e desonestos sabores

Era como aquele meio segundo entre a retirada de um sutiã e outro
Infiel, inconstante, trêmulo e tocante
Deu-se enfim, o derradeiro beijo

Rasgou-se em mim como um estrondo
Deixei de sentir e voltei para o ninho, para o leito, para o peito de quem me abriga à noite





sábado, 6 de agosto de 2011

Breve

Desenho de Paint - Tayline Angeli


Sinto um costurar afinado de fagulhas e algodão


Não nego a acidez de coisas que me saltam da boca 

Tampouco aborto seu amargo, mas me abro à essência de sublimes canções

Que me deixam suave e fazem com que eu sinta com elas.
Sinta com elas como se fossem um membro, como se tivessem tato, olfato, paladar...


O paladar é doce e remove o amargo ácido que disse...

Tudo bem se não compreenderes, eu mesma não compreendo. 





quinta-feira, 9 de junho de 2011

domingo, 1 de maio de 2011

Avesso

Leonid Afremov


Sou do fundo das águas mais doces
E dor mares mais revoltos
Minha impostura e sonora e com ela caminha
Um vulto impressionante de saudade
Que me mantém perto do céu
Minha decência, assim como minha liberdade é efêmera
Admiro a maneira com que as pessoas me observam
Nunca encontram exatamente o que procuram
Apenas meus sentimentos singelos
São revelados pela minha face
Nem meu âmago, nem meus gestos, nem meus olhar,
Expressam qualquer coisa que me condene
Palavras já não me surpreendem
Nem motivam minha transparência
A intriga dos anjos é que me comove
Apenas o canto mais belo, da voz mais firme
E ao mesmo tempo suave e límpida
É capaz de revelar minha verdadeira forma
É nela que se encontram minhas virtudes
E somente ela pode fazer
Transparecer as sensações de minha alma
Meus sonhos são fruto da verdade irreverente do que sinto
E o que sinto é tão desleal que minha vigilância ininterrupta
É capaz de acompanhar
Meu íntimo submerge apenas num manso lago
Onde possa descansar sua ironia e seu sarcasmo sem que seja perturbado
Enquanto isso, meus pensamentos tempestuosos concentram-se no eco da
Amargura das coisas que deixei pelo chão
“Pois o amor não é doce
Pois o bem não é suave
Pois amanhã, como ontem
É amarga a liberdade”




Trecho final: Cecília Meireles




terça-feira, 19 de abril de 2011

Ineficaz

Leonid Afremov





Eu brinco contigo como se estendesse lençóis de macio algodão 
De leve, como se fosse repousar sobre eles
Remexendo as gavetas encontrei teus postais
 Totalmente amassados de tanto que abracei!
Joguei meu verbo fora por medo de que não caiba mais em ti
Mas a tolice que me assombra de noite é tão inocente que ainda me salta da pele
Sobraram as cores de fim de tarde envelopadas e seladas como havia de ser
Quero debruçar-me sobre o escândalo de  tua poesia
Deixe-me afagar tua indecência.